Projeto de lei propõe redução de alíquota em day trade e mudança para apuração trimestral de vendas na bolsa. Impacto no pequeno investidor e na regularidade mensal.
A reforma tributária é uma pauta que tem ganhado destaque nos debates políticos nos últimos meses. Dentre as propostas em discussão, está a possibilidade de mudança na tributação das transações na bolsa de valores, o que impactaria diretamente os investidores e o mercado financeiro.
As alterações no Imposto de Renda propostas pelo governo visam aumentar a arrecadação e promover uma distribuição mais justa da carga tributária. A proposta do governo, de alterar a apuração das vendas na bolsa de valores para trimestral, é apenas uma das medidas que serão analisadas pelo Congresso nas próximas semanas.
Mudança de tributação: Proposta do governo para Alterações no Imposto de Renda
Outros pontos de destaque do Projeto de Lei (PL) são o aumento proporcional do limite de isenção nas operações de vendas na bolsa, de R$ 20 mil por mês para R$ 60 mil por trimestre, e a redução da alíquota de IR para 15% no day trade, que é uma forma de operar na bolsa com foco no curtíssimo prazo (comprando e vendendo um mesmo ativo, no mesmo dia).
O projeto só deve entrar em vigor em 2025, mas, para isso, precisa ser aprovado pelo Congresso ainda este ano.
Mas o que tudo isso significa, na prática? Para quem opera valores baixos e que estão na faixa de isenção tributária da bolsa, as mudanças terão algum impacto?
Ao que tudo indica, sim.
Inclusive, o objetivo do projeto de lei é simplificar a estrutura para o pequeno investidor, de acordo com o governo, embora seus efeitos recaiam sobre todos.
‘O projeto, na verdade, antecipa uma provável migração de recursos [para a bolsa] em decorrência da Lei 14.754/2023, que institui o regime de come-cotas [cobrança do imposto de renda sobre os ganhos dos fundos duas vezes por ano, no último dia de maio e de novembro] para os fundos fechados exclusivos‘, explica Lucas Babo, associado sênior da área tributária do Cescon Barrieu, em referência aos esforços do governo para tributar os investidores mais endinheirados.
Muitos desses veículos de alocação de fortunas se tornaram desvantajosos ou até inviáveis com a nova tributação em fundos exclusivos e offshore. Assim, desde janeiro, um fluxo vultoso de capital vem procurando refúgio em outros ativos.
Impacto da mudança de tributação: Pequeno investidor e day trade
Na ponta dessa cadeia de eventos, a correção de ‘desequilíbrios tributários’ na bolsa poderia tornar a renda variável brasileira uma opção mais atrativa para os ricaços. Ok, mas e o investidor pequeno? Mesmo quem não tem montantes significativos alocados na bolsa se beneficiaria do movimento migratório de investidores para esse mercado.
E a lógica é muito simples: com mais gente negociando e mais capital girando (quer dizer, mais demanda), os ativos da bolsa tendem a se valorizar. No fim do ano passado, o investidor pessoa física tinha saldo mediano de R$ 2,1 mil aplicados em ações ou outros ativos de renda variável, de acordo com a B3.
Mesmo que pareça pouco em termos absolutos, no relativo, o número representa aumento de 79% na comparação do quanto o brasileiro tinha na bolsa no fim de 2022 (R$ 1,2 mil). Nesse sentido, Leonardo Roesler, advogado tributarista e sócio da RMS Advogados, avalia que a medida proposta pelo governo pode ser vista como um estímulo ao investimento no mercado de ações.
‘A redução da alíquota do IR nas operações de day trade de 20% para 15% tem o potencial de incentivar a realização de transações de curto prazo, fomentando a liquidez e empregando dinamismo no mercado‘, diz.
A equipe de especialistas do Cescon Barrieu também enxerga convergência e equalização dos modelos de tributação, o que implica em ganho de margens líquidas para o investidor de bolsa, a exemplo do que acontecerá com os retornos em operações de day trade caso o texto seja aprovado como proposto pelo governo.
‘E ao transformar o limite de isenção em R$ 60 mil trimestrais, o projeto de lei beneficia aquele investidor que em um único mês supera os R$ 20 mil mas não aliena nenhum outro ativo nos meses subsequentes‘, detalha Babo.
Em última instância, pode até haver uma redução do custo operacional para fundos de investimentos, mas este não é o objetivo, nem seria um efeito direto das mudanças na tributação, pondera o associado do Cescon Barrieu.
Paradoxo do projeto de lei
Apesar de vantajosa da perspectiva do investidor médio na B3, a proposta ainda deixa pontos abertos, como a inexistência da faixa de isenção para os ganhos de fundos de índice (ETFs), que podem estar alocados em ativos que gozam de isenção até determinado valor.
Caso, por exemplo, dos ETFs de criptoativos, que não têm isenção, embora as operações com criptos sejam tributadas como ganho de capital, por isso são isentas de IR em transações até R$ 35 mil. ‘O PL não deixa claro se existirá uma faixa de isenção para operações com ETFs ou com ativos tokenizados de menor valor.
Mas, uma vez encaminhado [o projeto de lei] ao Congresso, haverá possibilidade de se debater ajustes finos no texto, afim de dirimir eventuais dúvidas levantadas [pelo mercado]’, avalia Babo. Mariana Ferreira, advogada tributarista do escritório Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados, chama atenção ao cronograma da proposta, que já está atrasada.
‘O PL faz parte das alterações que se pretende fazer no imposto de renda e na folha de salário. Mas o governo tinha até fim de março para enviar esses PLs e não o fez’, declara. ‘Entretanto, tais incentivos fiscais podem ter como contrapartida uma diminuição na arrecadação do imposto de renda, elemento crucial para a manutenção das finanças públicas.
A projeção de renúncia fiscal, estimada em R$ 190 milhões para os anos de 2025 a 2027, e o diferimento de receita de R$ 210 milhões para 2025 e 2026, indicam um impacto não desprezível nas receitas governamentais‘, pondera Roesler.
Aqui, o sócio da RMS Advogado atinge um ponto nevrálgico do mercado: risco fiscal – hoje, gira em torno da meta de déficit zero em 2024.
A equipe econômica do governo persegue o equilíbrio das contas federais pelo incremento das receitas, uma vez que não há predisposição ou espaço na base do governo (e do Congresso) para redução de gastos ou renúncia de pautas na agenda política.
É a ponta das receitas que as mudanças tributárias para operações em bolsa atingem, porque, na prática, o governo abdica de uma parte dessa arrecadação.
Então surge um paradoxo: para que investidores estejam inclinados a tomar risco na bolsa, dependem de pressões macroeconômicas e de mercado (inflação, riscos fiscal e político) sob controle.
E, na tentativa de tornar a renda variável mais atraente ao mercado, o governo pode estar provocando mais rachaduras nesses pilares. ‘A efetividade dessas medidas para estimular o investimento na bolsa dependerá também de outros fatores, tais como a estabilidade econômica, a confiança dos investidores e o desempenho das empresas listadas.
Portanto, enquanto a proposta legislativa apresenta potenciais benefícios em termos de incentivo ao investimento, é imprescindível uma avaliação cuidadosa de seus impactos fiscais e econômicos de forma integrada’, conclui Roesler.
Fonte: @ Valor Invest Globo
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